Transformando o corpo em máquina |
Zivi-Hércules
Por Marise Jalowitzki
23.maio.2011
http://t.co/OTVJ2GV
Era uma vez uma garota sabida, que se achava!
Opinava,
acreditava,
tomava partidos,
se apaixonava,
pensava entender,
tinha vivacidade,
usava tons altos e baixos,
levava e trazia pessoas consigo.
Subiu o caminho ao paraíso com meditação e planos.
Viveu intensamente,
sempre construindo para o futuro.
No futuro estaria a paz
no futuro estaria o amor
no futuro estaria a recompensa para tanto trabalho e esforço.
Sim, estava fazendo tudo certo:
trabalhava,
pagava as contas, tudo certinho,
não fazia sacanagem com ninguém,
amava e se entregava livre e totalmente, numa confiança cega de dar dó.
Ah! Também rezava.
Quando acordava do sonho-que-almejara, sentia que havia virado pesadelo.
Chorava muito
se desesperava
queria morrer
escrevia cartas de despedida para que a pequena filha, ao crescer, lesse e a perdoasse.
Muitas vezes pensou que não iria aguentar.
Para além do peso das decisões sem frutos, havia ainda o julgamento de pessoas que lhe eram caras, que, com sua acidez, laceravam a alma.
Desesperava
queria morrer
e, no dia seguinte, estava lá, doloridamente, batendo cartão e cumprindo suas responsabilidades.
Depois de puxar muitas malas de lona marrom, começou a ministrar aulas.
Sempre nota dez.
No estrito cumprimento do dever, não percebeu que as décadas corriam céleres.
Esqueceu.
Afinal,
ao final,
depois de cumprir uma nova,
inusitada,
não esperada,
nunca sonhada
e amarga missão,
em árdua solidão,
a vida a aposentou.
Alguns espetados cabelos brancos,
dores nas costas,
nas articulações.
Novas emoções.
Onde estavam a mocidade
e as multidões?
Onde ficaram a força
e as oportunidades?
De repente, assim, sem mais nem menos, tudo virou apenas museu!
Mas, como?
Agora, a vida era apenas fonte de pesquisa?
Referência?
Uma recorrência cada vez mais escassa?
Difícil tingir os cabelos de outra cor.
Eles teimavam em mostrar seu tempo, queriam seu espaço.
Num estreito passo, surgiu a tarde
meio assustadora
meio brilhante
por vezes encantadora em seu vermelho forte.
O sangue derramado no horizonte marcava o despertar do fim
o ocaso de uma história que nem havia começado.
Veio a noite.
Lua minguante sumida no escuro
sem estrelas,
sem luz;
apenas uns fantasmas que habitavam a sala de vidros quebrados
que, de madrugada,
ainda permitia aos vultos de 40 anos atrás ocupar novamente as cadeiras
e trabalhar.
Pareciam nem perceber os vidros quebrados e a absoluta falta de luz.
Estavam lá, quase dançando
no vai e vem das lembranças que não carecem de música.
Porque o fim a trouxe ao início?
Para lembrar o vigor dos planos e sonhos não permitidos pelo compromisso?
Ou seria para escancarar a burrice que acomete os generosos
que sempre se deixam ficar no fim da fila em nome da bondade-que-é-medo-de-perder?
Talvez fosse isso.
A necessidade de rever em tecnicolor o filme estúpido que a ninguém interessa.
Notas esparsas de uma chuva miúda
cantam na janela que se fecha.
Marise Jalowitzki Compromisso Consciente |
compromissoconsciente@gmail.com
Escritora, pós-graduação em RH pela FGV,
international speaker pelo IFTDO-EUA
international speaker pelo IFTDO-EUA
Porto Alegre - RS - Brasil
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