Haiti hoje - Mundo, não esqueçam o Haiti! |
A Maldição de ser negro, pensar diferente e ser pobre
Por Marise Jalowitzki
17.fevereiro.2011
A apresentadora dá um tom de enfado à notícia de que o ator vencedor de Oscar esteja a favor do Haiti. "Sean Penn continua querendo angariar fundo para a sua ong para ajudar o país caribenho."
A entonação foi de irônico cansaço. Tentei encontrar os motivos. Terá sido:
- Pela intenção do ator (como se a campanha fosse para manter-se ainda mais na mídia)?
- Pelo piegas que é, para muitos, ser solidário?
- Pela pouca confiabilidade que muitas ongs - organizações não governamentais, atualmente, passam para o demais - desviando recursos e não sendo efetivos?
Será por tudo isso? Bem provável.
O que não dá é deixar as coisas como estão. Dar de ombros e seguir adiante quando a população pobre continua morrendo aos milhares! A forma de administrar um governo não pode ser desculpa para deixar pessoas aos milhares morrer! Não podemos deixar o povo pobre morrer sob a desculpa de corrupção do governo!
Eduardo Galeano fala da Maldição branca imposta ao Haiti |
Conheça um pouco da "ignomínia branca" imposta ao país
Quando li os dados do Eduardo Galeano sobre o Haiti, solidarizei com tudo. São dele:
"O Haiti foi o primeiro país onde se aboliu a escravidão. Contudo, as enciclopédias mais conhecidas e quase todos os livros de escola atribuem à Inglaterra essa histórica honra. É verdade que certo dia o império que fora campeão mundial do tráfico negreiro mudou de idéia; mas a abolição britânica ocorreu em 1807, três anos depois da revolução haitiana, e resultou tão pouco convincente que em 1832 a Inglaterra teve de voltar a proibir a escravidão.
Nada tem de novo o menosprezo pelo Haiti. Há dois séculos, sofre desprezo e castigo. Thomas Jefferson, prócer da liberdade e dono de escravos, advertia que o Haiti dava o mau exemplo, e dizia que se deveria “confinar a peste nessa ilha”. Seu país o ouviu. Os Estados Unidos demoraram 60 anos para reconhecer diplomaticamente a mais livre das nações.
Haitianos pobres acumulam 4.549 mortos por cólera desde 2010. |
Por outro lado, no Brasil chamava-se de haitianismo a desordem e a violência. Os donos dos braços negros se salvaram do haitianismo até 1888. Nesse ano o Brasil aboliu a escravidão. O Brasil foi o último país do mundo a fazê-lo."
E Galeano diz mais e ironiza sobre a cruel superficialidade que a mídia concede aos noticiários sobre o Haiti:
"O Haiti voltou a ser um país invisível, até a próxima carnificina. Enquanto esteve nas TVs e nas páginas dos jornais, no início deste ano (2010), os meios de comunicação transmitiram confusão e violência e confirmaram que os haitianos nasceram "para fazer bem o mal" e para "fazer mal o bem".
(...)
"Desde a revolução até hoje, o Haiti só foi capaz de oferecer tragédias. Era uma colônia próspera e feliz e agora é a nação mais pobre do hemisfério ocidental."
Na sua refinada maneira de se expressar, o autor continua apresentando a hipocrisia que rege a versão que queremos dar aos fatos, sempre que não queremos nos aprofundar em um tema. Noticiam-se, sim, os acontecimentos, mas com a superficialidade e o mofo característico do descaso.
"As revoluções, concluíram alguns especialistas, levam ao abismo. E alguns disseram, e outros sugeriram, que a tendência haitiana ao fratricídio provém da selvagem herança da África. O mandato dos ancestrais. A maldição negra, que empurra para o crime e o caos.
Da maldição branca não se falou."
Ratifico:
Terá sido tudo isso encomendado ou trata-se, realmente, de uma catástrofe?
Quando há recursos financeiros e boa vontade, reconstruções gigantescas e de qualidade aparecem de um dia para o outro, no mundo inteiro.
PARA CONHECER O PRIMOROSO TEXTO DE EDUARDO GALEANO NA ÍNTEGRA, LEIA:O Haiti e a maldição branca
O Haiti foi o primeiro país onde se aboliu a escravidão. Contudo, as enciclopédias mais conhecidas e quase todos os livros de escola atribuem à Inglaterra essa histórica honra. É verdade que certo dia o império que fora campeão mundial do tráfico negreiro mudou de idéia; mas a abolição britânica ocorreu em 1807, três anos depois da revolução haitiana, e resultou tão pouco convincente que em 1832 a Inglaterra teve de voltar a proibir a escravidão.
Nada tem de novo o menosprezo pelo Haiti. Há dois séculos, sofre desprezo e castigo. Thomas Jefferson, prócer da liberdade e dono de escravos, advertia que o Haiti dava o mau exemplo, e dizia que se deveria “confinar a peste nessa ilha”. Seu país o ouviu. Os Estados Unidos demoraram 60 anos para reconhecer diplomaticamente a mais livre das nações.
Por outro lado, no Brasil chamava-se de haitianismo a desordem e a violência. Os donos dos braços negros se salvaram do haitianismo até 1888. Nesse ano o Brasil aboliu a escravidão. Foi o último país do mundo a fazê-lo.
O Haiti voltou a ser um país invisível, até a próxima carnificina. Enquanto esteve nas TVs e nas páginas dos jornais, no início deste ano, os meios de comunicação transmitiram confusão e violência e confirmaram que os haitianos nasceram para fazer bem o mal e para fazer mal o bem.
Desde a revolução até hoje, o Haiti só foi capaz de oferecer tragédias. Era uma colônia próspera e feliz e agora é a nação mais pobre do hemisfério ocidental. As revoluções, concluíram alguns especialistas, levam ao abismo. E alguns disseram, e outros sugeriram, que a tendência haitiana ao fratricídio provém da selvagem herança da África. O mandato dos ancestrais. A maldição negra, que empurra para o crime e o caos.
Da maldição branca não se falou.
A Revolução Francesa havia eliminado a escravidão, mas Napoleão a ressuscitara:
- Qual foi o regime mais próspero para as colônias?
- O anterior.
- Pois, que seja restabelecido.
E, para substituir a escravidão no Haiti, enviou mais de 50 navios cheios de soldados. Os negros rebelados venceram a França e conquistaram a independência nacional e a libertação dos escravos.
Em 1804, herdaram uma terra arrasada pelas devastadoras plantações de cana-de-açúcar e um país queimado pela guerra feroz. E herdaram “a dívida francesa”. A França cobrou caro a humilhação imposta a Napoleão Bonaparte. Recém-nascido, o Haiti teve de se comprometer a pagar uma indenização gigantesca, pelo prejuízo causado ao se libertar. Essa expiação do pecado da liberdade lhe custou 150 milhões de francos-ouro.
O novo país nasceu estrangulado por essa corda presa no pescoço: uma fortuna que atualmente equivaleria a US$ 21,7 bilhões ou a 44 orçamentos totais do Haiti atualmente. Muito mais de um século demorou para pagar a dívida, que os juros multiplicavam. Em 1938, por fim, houve e redenção final.
Nessa época, o Haiti já pertencia aos brancos dos Estados Unidos.
Nem Bolívar
Em troca dessa dinheirama, a França reconheceu oficialmente a nova nação. Nenhum outro país a reconheceu. O Haiti nasceu condenado à solidão. Tampouco Simon Bolívar a reconheceu, embora lhe devesse tudo. Barcos, armas e soldados lhe foram dados pelo Haiti em 1816, quando Bolívar chegou à ilha, derrotado, e pediu apoio e ajuda.
O Haiti lhe deu tudo, com a única condição de que libertasse os escravos, uma idéia que até então não lhe havia ocorrido. Depois, o herói venceu sua guerra de independência e expressou sua gratidão enviando a Port-au-Prince uma espada de presente. Sobre reconhecimento, nem uma palavra.
Na realidade, as colônias espanholas que passaram a ser países independentes continuavam tendo escravos, embora algumas também tivessem leis que os proibia. Bolívar decretou a sua em 1821, mas, na realidade, não se deu por inteirada. Trinta anos depois, em 1851, a Colômbia aboliu a escravidão, e a Venezuela em 1854.
Em 1915, os fuzileiros navais desembarcaram no Haiti. Ficaram 19 anos. A primeira coisa que fizeram foi ocupar a alfândega e o escritório de arrecadação de impostos. O exército de ocupação reteve o salário do presidente haitiano até que este assinasse a liquidação do Banco da Nação, que se converteu em sucursal do City Bank de Nova York.
O presidente e todos os demais negros tinham a entrada proibida nos hotéis, restaurantes e clubes exclusivos do poder estrangeiro. Os ocupantes não se atreveram a restabelecer a escravidão, mas impuseram o trabalho forçado para as obras públicas.
E mataram muito. Não foi fácil apagar os fogos da resistência. O chefe guerrilheiro Charlemagne Péralte, pregado em cruz contra uma porta, foi exibido, para escárnio, em praça pública.
A missão civilizadora terminou em 1934. Os ocupantes se retiraram deixando no país uma Guarda Nacional, fabricada por eles, para exterminar qualquer possível assomo de democracia. O mesmo fizeram na Nicarágua e na República Dominicana. Algum tempo depois, Duvalier foi o equivalente haitiano de Somoza e Trujillo.
E, assim, de ditadura em ditadura, de promessa em traição, foram somando-se as desventuras e os anos.
Aristide, o cura rebelde, chegou à presidência em 1991. Durou poucos meses. O governo dos Estados Unidos ajudou a derrubá-lo, o levou, o submeteu a tratamento e, uma vez reciclado, o devolveu, nos braços dos fuzileiros navais, à Presidência. E novamente ajudou a derrubá-lo, neste ano de 2004, e outra vez houve matança. E de novo os fuzileiros, que sempre regressam, como a gripe.
Entretanto, os especialistas internacionais são muito mais devastadores do que as tropas invasoras. País submisso às ordens do Banco Mundial e do Fundo Monetário, o Haiti havia obedecido suas instruções sem pestanejar. Eles o pagaram negando-lhe o pão e o sal.
Náufragos anônimos
Teve seus créditos congelados, apesar de ter desmantelado o Estado e liquidado todas as tarifas alfandegárias e subsídios que protegiam a produção nacional. Os camponeses plantadores de arroz, que eram a maioria, se converteram em mendigos ou emigrantes em balsas. Muitos foram e continuam indo parar nas profundezas do Mar do Caribe, mas esses náufragos não são cubanos e raras vezes aparecem nos jornais.
Agora, o Haiti importa todo seu arroz dos Estados Unidos, onde os especialistas internacionais, que é um pessoal bastante distraído, se esquecem de proibir as tarifas alfandegárias e os subsídios que protegem a produção nacional.
Na fronteira onde termina a República Dominicana e começa o Haiti, há um cartaz que adverte: o mau passo.
Do outro lado está o inferno negro. Sangue e fome, miséria, pestes…
Nesse inferno tão temido, todos são escultores. Os haitianos têm o costume de recolher latas e ferro velho e, com antiga maestria, recortando e martelando, suas mãos criam maravilhas que são oferecidas nos mercados populares.
O Haiti é um país jogado no lixo, por eterno castigo à sua dignidade. Ali jaz, como se fosse sucata. Espera as mãos de sua gente.
(*Eduardo Galeano é escritor e jornalista uruguaio, autor de As Veias Abertas da América Latina e Memórias do Fogo).
LEIA E DIVULGUE! O QUE NÃO PODEMOS, É CRUZAR OS BRAÇOS E ACREDITAR QUE É ASSIM MESMO QUE DEVE SER!!!
4549 mortos só pelo cólera em um ano, quando a doença já estava erradicada há 50 anos!!
4549 mortos só pelo cólera em um ano, quando a doença já estava erradicada há 50 anos!!
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