sexta-feira, 18 de junho de 2010

COMO SE CONSTRÓI UM SIGNIFICADO - BAFANA-BAFANA



COMO SE CONSTRÓI UM SIGNIFICADO - BAFANA-BAFANA -
Marise Jalowitzki



Ao ouvir o significado atribuído a BAFANA-BAFANA como sendo"meninos travessos", "meninos alegres", lembrei que já ouvira a referência a BAFANA - A Deusa Anciã da mitologia etrusca e adotada por Roma e, mais tarde, Itália.

O resultado da pesquisa foi muito agradável, pois mostra como todos os significados, ao longo dos séculos e milênios, podem ir se transformando, mudança que pode auxiliar na formação de cada um, seus códigos para dissipar medos e arquétipos negativos. Qual o adulto de hoje que não se assustou, quando criança, com as terríveis histórias de bruxas más e suas vassouras? Pois fica o convite para ler a história de BEFANA, ou BAFANA e de seu esposo BEFANO ou BAFANO. A construção da palavra remonta a Belo (Bel) e Alegre (Fani - latim).

O artigo traz subtítulos relevantes, como a origem do mito do casal, algumas referências sobre o legado dos etruscos (de onde surgiu a lenda de Bafana), a atuação do sincretismo operado pela Igreja Católica como forma de absorver crenças e atrair seus adeptos, análises sobre o papel da mulher nas histórias contadas, o convívio com as diferenças impostas pelas heranças culturais e a necessidade de revisão de nossos conceitos arraigados. Por fim, o convite para o livre exercício da Alegria e da Espontaneidade!

Boa Leitura!



A construção da história da humanidade é feita sobre significados. Alguém emite uma opinião, dá um jeito de propalar essa opinião, quantos mais seguem essa opinião, a reafirmam. Na reafirmação ela torna-se uma "verdade". Cada verdade tem seus seguidores. A verdade é aceita como lei, como dogma é consagrada e passa a ser assim cultuada pelo tempo afora. Até vir um novo significado e iniciar um novo ciclo de propagação - propaganda em ação - receber novos adeptos e mudar o seu significado - signo-sinal-interpretação. Tudo é processo: início, meio, fim. Recomeço. Início, meio e fim. Recomeço. Sucessivamente.

Viajando na maionese?

Para alguns, talvez. Mas é assim que se formata a História Oficial. É assim que se produzem livros, fatos e mensagens, virtuais, orais, impressas. O estudo, ensino, aprendizagem, valores do conhecimento que ainda regem nosso mundo, continuam a preencher a meninice e juventude de todos os cidadãos. Então, é importante saber alguns significados e suas origens. Somos uma sociedade que preserva o valor de toda a criança e jovem ter acesso ao conhecimento, ao estudo regular, em instituições oficialmente reconhecidas. Nosso código de ética, pautado em uma moral instituída e legalmente aceita, expressa que estudar é um valor que contribui para a formação de um cidadão socialmente aceito e incluído.

Vamos rever alguns conceitos?

Sim, pois sempre que se reformulam conceitos e significados, se refaz a história. A reformulação dos livros didáticos, no Brasil e países vizinhos, por exemplo, é recente. Mudou perfis anteriormente tidos como cruéis ditadores e fascínoras para um registro de atuações mais brandas. Por ocasião da fundação do Mercosul/r houve toda uma gama de encontros de literatos e historiadores dos países envolvidos para que amenizassem ódios nas narrativas, em prol da paz e convívios produtivos e cordiais almejados. Meritório. Portanto, em nome do objetivo, podem-se mudar os fatos. Ético? Sim, ético, pois o termo "Ética" de um povo diz diretamente do juízo de valor que esse povo concebe à sua moral. Moral, costumes e práticas aceitos e disseminados por um grupo social, durante um determinado período de tempo. Questões que dão pano para muita manga. Concreto. real.

Tudo isso para falar em Bafana-Bafana.

Bafana-Bafana, nome repetido por milhares e milhares de pessoas nos últimos dias-meses. De repente, todos quiseram saber o que significa Bafana-Bafana. E, rapidamente, aconteceu o significado: meninos brincalhões, moleques travessos, meninos travessos e divertidos.

Tem mais:
Em tempos imemoriais, "que se perdem na memória", com quase nenhum registro, havia um casal, BEFANO-BEFANA, ou BAFANO-BAFANA, e eram assim chamados por serem belos (bel) e (fani - fanos) alegres, engraçados. Perto do período das colheitas (hoje, em nosso calendário, início de janeiro) eles compareciam nas comunidades, abençoando as terras e as árvores frutíferas, para que a colheita fosse farta; ao mesmo tempo, cantavam e contavam piadas para o povo, que ficava muito alegre e agradecido. Pela satisfação em receber o casal visitante, o povo começou a presenteá-los com pequenos mimos, tais como frutas e doces. BEFANO morreu antes e BEFANA continuou as visitas, sempre bem recebida por todos. À medida em que foi envelhecendo, as pessoas a recebiam em suas casas e ela, sempre sorridente e engraçada, humilde no trajar, traços bondosos, passou para uma nova função: recomendar as crianças para que fossem mais obedientes a seus pais. BEFANA começou a trazer alguns símbolos em forma de doces: para as crianças bem comportadas trazia doces gostosos; para as mal comportadas trazia junto pedaços de carvão, como um aviso para que se comportassem melhor dali para a frente.

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Os registros mais antigos de que se tem notícia são os dos etruscos.
Os etruscos foram uma civilização de origem desconhecida do norte da península Itálica; povo com costumes bastante arraigados, tanto que, após a dominação pelo Império Romano, teve quase todas as suas divindades adaptadas para a mitologia romana, de forma a facilitar a adoção da nova religião, a exemplo do que foi transmitido aos nossos indígenas, pelos padres jesuítas, aqui em solo brasileiro, por ocasião da colonização. Sincretismo.

Das fontes literárias etruscas, existem apenas dois pequenos e incompletos textos e um modesto número de inscrições, o que torna difícil a sua maior compreensão. Sabe-se que alguns autores latinos pesquisaram sobre os etruscos e seus legados, principalmente em antigos escritos de cunho religioso, mas seus trabalhos foram perdidos na roda do tempo. Com o próprio Latim, língua morta e já bastante em desuso, pouco resta.

O que se tem hoje toma por base a publicação Prenestina cistae, cerca de duas dúzias de fascículos do Corpus Speculorum Etruscorum que surgiram recentemente. Mais especificamente, a mitologia etrusca e o culto de figuras surgem referidos no Lexicon Iconographicum Mythologiae Classicae e também na publicação de Helmut Rix, Etruskische Texte.
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Continuando sobre o mito de BAFANA.

Após sua morte, a tradição foi incorporada e passou-se a dizer que BAFANA continuava a aparecer para a festa que comemorava o início das colheitas, que ficou conhecida no mundo cristão como Epifania, marcada em 06 de janeiro, atual festa cristã dos Reis Mágicos, ou Reis Magos. Bafana vinha montada em uma vassoura; em algumas comunidades, contava-se que ela aparecia montada em um bode ou burrico ou descia pelas chaminés, sempre distribuindo doces. Era uma mulher bondosa, alegre e brincalhona, assim como seu marido BAFANO. Ficou conhecida como BAFANA, a Deusa Anciã, Marantega (Mãe Antiga). Na Rússia, a deusa equivalente era Baba Yaga, com dentes ou nariz de ferro, cavalgando um javali ou voando em um pilão e aparecendo nos solstícios. Mais tarde, Roma e, na continuidade, a Itália - Sicília, adotou-a como BEFANA, LA VECCHIA ou LA STREGA.

Mais curiosidades tradicionais:

- Epifania é um termo grego, que quer dizer “manifestação”. Para a Igreja Católica, Epifania significa manifestação de Deus a todos os povos da Terra, através do nascimento do menino Jesus, na gruta de Belém.

- "La Befana, muitas vezes, aparece nas ruas como uma pessoa mascarada, acompanhada de seu consorte, Befano, guiando um bando de seguidores que recebem ofertas das famílias e, em troca, recebem o presente da prosperidade das bênçãos dadas pela Befana. Música preenche as ruas e as pessoas colocam bonecas com a imagem de La Befana em suas janelas, como convites de recepção às suas casas. No fim da celebração de La Befana, as bonecas são queimadas. Isso é feito para incinerar as coisas ruins que aconteceram no ano anterior e esperar boas realizações no ano seguinte."


- Algumas comunidades de ancestralidade italiana voltaram a comemorar a festa. As crianças esperam receber doces e brinquedos, o que significa que se comportaram bem; o “carvão” para as mais “agitadas”, muitas vezes passou a ser apenas um símbolo. Como parte dos preparativos, as crianças penduram uma meia, geralmente em local próximo à lareira ou na janela, onde “La Buona Vecchietta”, infalivelmente, deixaria: balas, doces, caramelos, chocolatinhos, nozes, avelãs, figos secos e um pouco do tal “carvão”, que, na verdade era um doce imitando carvão - um doce negro - chocolate.... Não esquecem de colocar sobre a mesa, pratos com comida, frutas e um pouco de vinho para a “vecchietta”. Na porta de entrada da casa, deixam capim ou feno para que o burrinho (ou bode) também possa se alimentar.

Na manhã seguinte, quando da abertura das meias, os pais explicam às crianças que ela trouxe um pouco de carvão, porque foram um pouco marotas, mas trouxe doces porque haviam sido boas. Assim, a Societá Italiana Lavoro e Progresso (veja link em "Fontes" - Jornal Local) vem "desde o ano 2000 revivendo com festa uma antiga tradição que deve ser preservada, pois além de ajudar a educar a criança, é uma bela lenda que chegou até nós através dos imigrantes italianos".


Subconsciente coletivo - As prioridades

Há outra lenda que conta que Befana foi convidada pelos Reis Mágicos ou sábios para que os acompanhasse na busca pelo menino Jesus.

Ela, bastante atarefada e envolvida com as lides domésticas, recusou o convite, prometendo segui-los assim que terminasse os trabalhos. Assim o fez. Porém, ao sair, não mais os viu. Triste e agitada, começou a correr para tentar encontrá-los, levando consigo os presentes para Jesus Menino, além de sua vassoura. Correu tanto que, magicamente, começou a voar com sua vassoura e, diz-se, ainda hoje continua vagando pelos céus, procurando os Magos e o Jesus-Menino.

O Convívio com as diferenças impostas pelas heranças culturais

O cristianismo está baseado nos pilares Anjo-Demônio, Bem-Mal, Certo-Errado, Culpado-Inocente, Obediência-Desobediência, Punição-Recompensa, valores e crenças que também norteiam todos os demais segmentos sociais. Assim, quando encontrouo o mito de Bafana, a "doce velhinha" foi sendo transformada em velha feia e má. Agressiva, desdentada, riso amedrontador, singrava os ares espalhando maldições... Em cada comunidade onde era encontrado um culto para a deusa anciã (nomes diversos para diferentes culturas), ficando proibidas a festa, a comemoração, as oferendas e também as danças nos campos para ativar a fertilidade da terra. Rabelais é um dos raros escritores que trouxe até nossos dias os relatos dos anos de sombras, onde, na Idade Média, ficava proibido o riso e todas as manifestações alegres para a plebe. As deusas anciãs passaram a ser consideradas bruxas nocivas e perigosas para a alma cristã e, por séculos e séculos, foram divulgados aspectos "demoníacos" desses costumes. Isso ficou instalado no inconsciente coletivo da humanidade.

Decorrente desse binômio Bem-Mal, no século 16, surgiram duas originárias deusas Perchten, "que receberam duas apresentações: as bonitas e benévolas (Schöne Perchten), adornadas com fitas, correntes douradas, folhagens e flores, e as feias e escuras (Finster Perchten), com garras, presas afiadas, chifres, peles de animais e rabos de cavalos, destinadas a afastar fantasmas e “demônios”. Encenava-se um combate ritualístico entre elas, almejando a derrota da escuridão, enquanto homens vestidos como as “Perchten escuras” visitavam as casas fazendo muito barulho para afugentar os maus espíritos. As pessoas eram abençoadas com uma mistura de cinzas e farinha de milho, representando o poder de regeneração da vida após a morte. Ritualizava-se assim o triunfo da força vital e da luz sobre os poderes inferiores, do caos e da morte". Ou seja, a vida passa a ser encarada como uma guerra constante, a ser vencida batalha a batalha ("mato um leão por dia"...) e não como uma experiência, na qual o mais sábio é viver cada instante com a riqueza que contêm, da qual temos de ser constantemente gratos pela oportunidade de aprendizado!


Aprender rindo ou fazer para fugir da punição

As deusas tinham a missão de ensinar e instruir. Assim, como as habilidades manuais, dentre as mulheres, eram um valor para a época, as deusas também ensinavam a fiar e tecer. "Dos antigos festivais, o mais famoso era o Walpurgis Nacht alemão, o Samhain celta e as festas de celebração do dia primeiro de maio (Maj Fest), comemoradas na Bavária, Suíça, Itália, Lituânia, Eslovênia. Por não conseguir erradicar as tradições ancestrais locais, a igreja católica incorporou a data dos festivais no calendário cristão e manteve a proibição pagã de fiar ou tecer em certos “dias santos” (datas de antigas comemorações das deusas tecelãs), como uma imposição divina cuja transgressão levaria ao castigo (queima da mão pelo “fogo do inferno”)." A ótica transformou-se. A ingênua passagem do "divertir-se" para o "cumprir" arrasta-se até hoje, fazendo com que as pessoas concretizem ações muito mais para fugir do sentimento de culpa (impingido por outros ou ditado pela própria consciência moldada na opressão do "tem-que-fazer-senão...!!"

Refletir e mudar para um estilo de vida mais ameno, está em nossas mãos.

BAFANA-BAFANA
soa como um convite a um grito de
ALEGRIA-ALEGRIA!!!


Este é um pequeno canto utilizado por algumas crianças italianas:

La Befana vien di notte
con le scarpe tutte rotte
col vestito alla "romana"
Viva, Viva la Befana!!


La Befana vem à noite
Em sapatos esfarrapados
Vestida em estilo romano
Viva, Viva la Befana!



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- Wicca - Ed. Pensamento
- Jornal Local - http://jornalocal.com.br/site/cidadania/imigrantes/arquivo-4699/
- Teia de Thea - http://www.teiadethea.org/?q=node/60 - Mirella Faur
- Wicca - Resultados da pesquisa Befana Wicca http://gatomistico.blogspot.com/search?q=Befana#ixzz0r8GS9SKV
- Mitologia Etrusca - Wicca - Bruxaria - Gato Mistico http://gatomistico.blogspot.com/2008/08/mitologia-etrusca.html#ixzz0r8FSWtJU
- A Casa do Mago - http://acasadomago.wordpress.com/2010/01/05/viva-la-befana/ - Marcos faz artesanato místico a partir de madeira reproveitada

Abraços a todos!


Link deste post: http://compromissoconsciente.blogspot.com/2010/06/bafana-bafana-como-se-constroi-um.html

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MARISE JALOWITZKI é escritora, consultora organizacional e
palestrante internacional, certificada pela IFTDO-USA, pós-graduação
em RH pela FGV-RJ, autora de vários livros organizacionais.
marisejalowitzki@gmail.com
Porto Alegre - RS - Brasil
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2 comentários:

  1. Marise,
    Gostei muito do levantamento histórico de Bafana Bafana!
    Impressionante como significados e conceitos são a expressão reduzida do entendimento do mundo daqueles que o estipulam.
    Linda a conclusão de que adotar um estilo de vida mais ameno depende apenas de nós, pelo menos neste momento em que vivemos.
    Abração

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  2. Oi, Moacir! Tudo bem? Grata pela observação pertinente! Bem sabes como acredito nisso de procurar os significados como forma de ressignificar (dar um novo entendimento) a crenças que nos incutiram em tenra idade. Há tantas pessoas que não questionam nada, como a mulher que passou a vida inteira assando o peixe cortando sempre a cabeça e o rabo do peixe. Quando o namorado da filha perguntou o motivo, disse: "-Não sei! Minha mãe também sempre fez assim!" Como o namorado da filha achava mais estético servir o peixe inteiro (e era assim, também, que via sempre nos restaurantes), foram averiguar. O motivo, relatado pela avó, é que a avó da avó só tinha uma pequena forma, onde não cabia o peixe inteiro!...

    Quantas pessoas há que, em idade adulta, possuem bem mais espaço do que quando pequenos: espaço para pensar, espaço para falar, espaço para criar e continuam se encolhendo, se economizando, por acreditar que a fôrma continua estreita como antes!

    Um grande abraço!

    (Terminou a dissertação de mestrado?)

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