Metilfenidato, Ritalina e Concerta - Parecer nº 18/2011 - Comissão Consultiva Nacional de Ética Biomédica da Suíça |
Riscos sociais em medicalizar pessoas, especialmente crianças
Por Marise Jalowitzki
05. julho.2014
http://compromissoconsciente.blogspot.com.br/2014/07/riscos-sociais-em-medicalizar-pessoas.html
Quando, em 2011, a comunidade cientifica recebeu a constatação do surpreendente aumento de consumo do metilfenidato (ritalina, ritalina LA e concerta, no Brasil), muitos órgãos, incluindo governamentais, se reuniram para discutir o fato. Quais os fatores que influenciaram para que tal aumento ocorresse? O centro da medicalização estava em adultos, jovens ou crianças? Crianças de que idade? Quais fatores estariam influenciando tal aumento de demanda? Na Suíça (país-berço da Ritalina), o conceituado CNE (Conselho Nacional de Ética da Suíça), constituiu a Comissão Consultiva Nacional de Ética Biomédica que, após se debruçar sobre o assunto durante meses, emitiu em outubro o famoso Parecer nº 18/2011, em Berna.
O Parecer é extenso e possibilita um conhecimento amplo, vasto de todo o contexto que envolve a problemática da medicalização, principalmente em se tratando de crianças, corpinhos em formação. Merece ser estudado parte a parte, frase a frase, possibilitando ao cidadão interessado a possibilidade de retirar as suas próprias conclusões, fator tão importante para uma tomada de decisão acertada, seja em termos de si próprio, seja para medicar ou não um filho seu!
Assim, escolhi na data de hoje o tema Riscos Sociais, que consta no Cap. 09 - Reflexão Ética sobre a Prática Médica e o uso de Fármacos - Parecer nº 18/2011 da Comissão Consultiva Nacional de Ética Biomédica da Suíça (NEK-CNE) - Livro TDAH Crianças que Desafiam (págs. 140 a 145). As frases entre aspas ("...") são as constantes no Parecer:
"Não só o consumo generalizado cria riscos para a saúde pessoal, como também as expectativas de mudança em relação ao nível de desempenho desejado. Por exemplo, o stress no trabalho aumenta, aumentando assim o risco de um transtorno mental [22]."
- A procura por "Aprimoramento", ou melhoria na performance individual está se tornando uma mania. Física e esteticamente, as pessoas procuram cada vez mais a perfeição, procurando incorporar perfis "aprimorados", que vão desde dentes branqueados com titânio, implantes de dentaduras "perfeitas", seios, bunda, rosto, abdômen. Além do vestuário, fama, poses e posses (carros, casas, etc.).
E, em se tratando do campo mental, o novo boom da moda, a necessidade de, primeiramente, inserir-se no meio dito "normal", a qualquer custo. Adultos querem se inserir no mercado de trabalho e ter sucesso, ainda que seus perfis não sejam, necessariamente, para aquele tipo de mercado. Sucesso é vendido como carro do ano, casa em bairro nobre, não importa quantas horas você fique sem tomar sol, quantas horas você fique apenas respirando ar condicionado e comendo fastfood.
Tudo isto é estendido também às expectativas que os pais tem em relação aos seus filhos. Primeiro, eles precisam aprender na idade certa (programa incentivado também pelo governo), eles precisam aprender como todo mundo, escrever como todo mundo, expressar-se como todo mundo, reagir como todo mundo, comportar-se como todo mundo...
Aqui, fica salientado que os riscos para a nossa saúde não estão apenas em consumir (mesmo que isto acabe se tornando "normal", a moda...). Os riscos, salienta, a NEK, vão além disso (do consumo generalizado) pois, QUEM DIZ QUAL O NÍVEL DESEJADO, qual o nível de "Aprimoramento" em que o indivíduo vai parar de exigir de si mesmo e do outro?
Levando esta realidade para um grupo de trabalho, QUEM DIZ QUANDO ALGUÉM (ou todos) está OK? O stress é consequência, pois cada um quer sempre ser o "Melhor"!!
"Gerenciando maiores demandas com drogas ao invés de ajustar as estruturas e as condições de trabalho, se for o caso, [23] será um sinal de aprovação social de valorização, colocando pressão sobre aqueles que se recusam a consumir produtos que melhoram o desempenho.
Como resultado, a natureza voluntária do 'Aprimoramento' seria reduzida."
No início do capítulo, lá no livro, explico que os termos "Aprimoramento", "Valorização" e outros, todos possuem o mesmo significado, ou seja "Melhoria da Performance e do Desempenho".
A observação da NEK escancara a pressão que já acontece hoje, seja nas escolas, seja no ambiente de trabalho! Recentemente uma mãe desabafou a ira que sente em participar das reuniões de pais e professores na escola, pois a professora compara seu filho "que não tem nada", com um outro menino notadamente com problemas neurológicos sérios. "Se ele consegue, como é que o teu não consegue?", insistindo para que ela passe no psiquiatra para "começar o tratamento", já que a "pílula da obediência ajuda a se concentrar nos estudos".
Esta é a pressão a que se refere a NEK. Que é a mesma que se apresenta no ambiente de trabalho. A coisa se estende desde um repositor de produtos em prateleiras em supermercado, até a conferência de materiais em alfândega ou relatórios oficiais. Épocas especiais como final-de-ano, mais pedidos, urgência em conferir e entregar, "Como você não consegue, se o outro consegue? Porque você não experimenta o comprimido que ele toma?" E tudo vai além! Aquele "que toma" incentiva para ralar a ritalina e inalar, que o efeito "é ainda mais pancada"!...quando na própria bula diz pra sequer cortar ao meio o "comprimido mágico", que precisa ser ingerido inteiro!... Acaba prejudicando seriamente outros órgãos que, em contato com os químicos, alargam ainda mais o campo de malefício.
Assim, ressalta a NEK, ao invés de rever o nível de exigência no trabalho, as condições do ambiente e a formação (treinamento) de cada colaborador, a resposta de desempenho passa a estar "na mão" do indivíduo para se medicalizar. Havendo este "sinal de aprovação social", a decisão inicial do adulto em ambicionar seu "Aprimoramento" em bases farmacológicas não é mais uma decisão individual, passando a ser uma exigência do meio!
Pesquisas demonstram que estes receios são justificados: “aprimoramento” é perseguido não para alcançar um desempenho superior, mas para ser capaz de "manter" e "lidar com o estresse" [16].
Isto é o que já acontece hoje! Converso com pessoas em universidades, em concursos, em bancos e até em grupos de estagiários e a coisa corre solta!! "Pílula da Moda!"... "No concurso que fiz, acho que em cada 100, um não tinha tomado ritalina" - declarou uma estagiária.
Acreditar que "só funciona" com a pílula, sem procurar as outras medicinas, sem procurar outras terapias ou formações para aumentar sua autoestima é um quadro muito estreito e triste. "Adequar-se" parece ser mais importante que ser feliz!
Pessoas para as quais os agentes farmacológicos têm pouco ou nenhum efeito, também estão em desvantagem."
E, aqui, os membros da Comissão Consultiva Nacional de Érica Biomédica da Suíça alertam para um outro ponto: a pressão, o novo rótulo, a nova etiqueta para aqueles que, ainda que aderindo à medicalização, não tem o efeito desejado, já que cada corpo é um corpo, e cada organismo reage de maneira diferente, como acontece com todas as drogas! Ou seja, o indivíduo se estraga todo e, igual, não alcança os escores 'vitoriosos' dos demais!
Voltando à questão infantil, inúmeros são os casos onde mães relatam que "o comprimido não fez efeito nenhum". Acabam recebendo novas receitas de novos tarja-preta, sem deixar o anterior, fazendo do pequeno corpo em formação um verdadeiro laboratório de experimentos, só que ninguém acompanhando, minuciosamente (como acontece nos laboratórios), em que efetivamente resulta todos estes inconsequentes experimentos com os pequenos!
Crianças pequenas possuem as partes cerebrais bastante permeáveis, ou seja, mesmo um quimico sendo receitado para atuar sobre o córtex cerebral frontal (como no caso do metilfenidato), acaba adentrando as demais áreas, com imprevisíveis riscos.
Crianças precisam ser ouvidas, observadas, acolhidas. Adultos precisam entender os diferentes estilos, conhecer a forma única de reagir de cada uma e, a partir daí, intervir diferentemente com a criança, a fim de efetivamente educar e não, simplesmente, moldar, achatar, aquietar. O ser único precisa ter espaço e compreensão para manifestar-se. Leva mais tempo dos pais, do cuidador, do educador, mas é o único caminho para que o mundo apresente níveis mais saudáveis de convivencia.
Apostar na criança, e não nas formas prontas, eis a premissa!
Livro TDAH Crianças que Desafiam (págs. 140 a 145)
(Artigo publicado também em:
Canal 1411 - http://canal411.com/riscos-sociais-medicalizar-pessoas/ )
Escritora, Educadora, Blogueira e Colunista
Idealizadora e Coordenadora do Curso para Coordenadores em Jogos e Vivências para Dinâmica de Grupos, níveis Formação e Master
Especialista em Gestão de Recursos Humanos pela FGV,
Facilitadora de Grupos em Desenvolvimento Humano,
Ambientalista de coração, Vegana.
Certificada como International Speaker pelo IFTDO-VA-USA
marisejalowitzki@gmail.com
compromissoconsciente@gmail.com
Livro: TDAH Crianças que desafiam
Como Lidar com o Déficit de Atenção e a Hiperatividade na Escola e na Família
Contra o uso indiscriminado de metilfenidato - Ritalina, Ritalina LA, Concerta
Como Lidar com o Déficit de Atenção e a Hiperatividade na Escola e na Família
Contra o uso indiscriminado de metilfenidato - Ritalina, Ritalina LA, Concerta
Para conhecer mais e adquirir, acesse:
TDAH Crianças que Desafiam - Como Lidar com o Déficit de Atenção e a Hiperatividade na Escola e na Família
|
www.marisejalowitzki.blogspot.com.br |
Ontem ouvi um caso acontecido em Anápolis Goiás, um garoto preparando-se para o vestibular inventou vários sintomas e conseguiu enganar o médico, só para pegar uma receita de Ritalina. Pois, disseram a ele que só assim conseguiria virar a noite estudando e passaria no vestibular. Quanta ignorância! Pena, que esse garoto não leu esse artigo. Vou passar adiante!
ResponderExcluirParabéns, Marilia, pela ação efetiva! Muitas pessoas nem leem, algumas tomam conhecimento e nada mais fazem e poucas são as que tomam conhecimento, internalizam e compartilham! Pois a vida é assim e por isso temos duas mãos: a mão esquerda, do coração e da emoção para receber; e a mão direita, da razão e da lógica, para distribuir. Sim, a coisa é pesada e aqui no RS, triste "campeão" no uso desta porcaria, ouvem-se muitos, muitos relatos. Mas, fazemos a nossa parte! Aceita quem já tem a mente aberta e o coração preparado! Beijos e Gratidão!
Excluir