quinta-feira, 30 de abril de 2015

Por que alguns médicos escrevem no rodapé da receita: "Não permitir que o atendente da farmácia substitua este medicamento..."





Por Marise Jalowitzki
30.abril.2015
http://compromissoconsciente.blogspot.com.br/2015/04/por-que-alguns-medicos-escrevem-no.html


Comentário de uma psicóloga após uma postagem sobre o excesso de receitas emitidas, a maior parte já na primeira consulta:

"E lá embaixo da receita, o médico coloca uma observação: "Não permitir que o atendente da farmácia substitua este medicamento..." ou seja, nada de genéricos, pague bem mais caro!"
Isto é bastante sério e precisa ser conhecido!

Vai-se em uma farmácia e o próprio farmacêutico mostra que a indicação é a mesma, os ingredientes são os mesmos, a dosagem a mesma! "É igual!", declara o farmacêutico, mas, temeroso, o cliente diz: "Eu vou procurar em outra farmácia! Preciso seguir o que o médico receitou!"

Mas, quem nunca ficou com esta 'pulguinha'? sem entender direito o porque de não substituir?

Pois há muitas denúncias a este respeito dando conta que tem a ver com o controle da farmacêutica para ganhar regalias das desta (laboratório específico), depois.



Há um controle nacional dos médicos (chamados prescritores) e os medicamentos que receitam. 

Aquelas pastas cheias dos vendedores-representantes das farmacêuticas (por vezes eles chegam até com as malinhas de rodinhas), naquelas visitas que atrasam as nossas consultas, ali estão as famosas "amostras grátis".

O médico que é conivente com este processo comercial, recebe várias amostras grátis do representante, depois, dá algumas aos pacientes e, a partir daí, só receita aqueles medicamentos!! Ou seja, "não poder trocar de medicamento" é pra "não furar" a fidelidade dele (médico) com determinado laboratório!! Tudo controlado, pois ele recebe benefícios, bônus, recompensas...

Já escrevi sobre isso também no livro e em outros artigos... e este controle ficou mais flagrante pra mim quando tive acesso aos dados da ANVISA sobre o metilfenidato (ritalina, concerta,.....e outros). A ANVISA sabe exatamente quem são os maiores prescritores do Brasil. Três deles concentram o maior número de receitas no país inteiro! Só não colocam o nome na divulgação de seu Boletim de Farmacoepidmiologia do SNGPC - Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados... (Capítulo 8 - TDAH O que diz o Brasil - ANVISA - Livro TDAH Crianças que Desafiam) Certa vez vi uma charge, onde mostrava uma pessoa chorando, uma outra estendendo um lenço e o ombros amigo e três estendendo um copo d'água com remédios!!

E não é assim mesmo??

"Consumidores e profissionais de saúde tem a desempenhar um papel chave no desenvolvimento de consciência crítica da relação entre saúde e informação sobre produtos farmacêuticos; isso deve acontecer nos currículos das faculdades de medicina e de farmácia e bas escolas de 2º grau." HAI - Health Action International - "Burlando os Limites: Novas tendências na propaganda farmacêutica"


(Inclusão em 02.maio.2015)

Ao receber comentários nas redes sociais, houve a discussão sobre genéricos ou não genéricos, quantos são os profissionais éticos e quantos não o são. As estatísticas internacionais falam por si. Infelizmente, em nosso país, ou elas não existem ou, se existem, não são divulgadas. Mas o problema é real e precisa ser mais comentado.

Temos de discutir o tema sem nos sentirmos atingidos como indivíduos, pois a questão é bem mais ampla e complexa, pois perpassa um outro profissional ou paciente. É um problema crônico e mundial. 

Quando a HAI - Health Action International - promulgou, em 1998, algumas diretrizes no sentido de frear certos "hábitos" das farmacêuticas e ressaltar que "Medicamento não é mercadoria. Drogaria não é supermercado e que deve haver a promoção racional do uso de medicamentos" é porque a coisa tava estrapolando. E não me refiro apenas a questão de genéricos ou não genéricos. É ética, mesmo.

E esta prática mobilizou vários órgãos e entidades. " Se brindes são aceitos de uma empresa cujo produto o médico (a médica) prescreve, os interesses de duas outras partes, imediatamente, tornam-se relevantes quanto à decisão do tratamento. O ponto chave, aqui, frequentemente esquecido, é que aceitar um brinde cria conflito de interesse e intenção, na ocasião de por em primeiro plano os interesses dele ou de uma terceira parte. Na verdade, mesmo que pretenda, ou não, o médico relembra a empresa ou brinde quando a prescrição é feita!" (Agraval, 2004)

Esta questão básica - Sem Brindes de Qualquer Natureza (no free lunch) também chegou ao Brasil, e é por isso que os brindes diminuiram significativamente, embora continuem em muitos consultórios (sou testemunha disso) e deveriam ser mais amplamente vigiados.

Mesmo que alguns órgãos, já cientes dos abusos que acontecem de forma mais corriqueira do que se pensa, tentam trazer ao conhecimento público, mesmo que algumas providências são tomadas o problema de sempre em nosso país é a falta de inspeção e vigilância. Em 2012 o SINCOFAGO - Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos do Estado de Goiás divulgou em matéria esclarecedora: "... não resta dúvida de que a relação entre a indústria e os médicos provoca conflitos éticos quase insolúveis. Como tentativa de trazer maior transparência e menos desconfiança entre os envolvidos, um protocolo foi firmado entre Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) e o Conselho Federal de Medicina (CFM) e estabelece regras para a disseminação de medicamentos e correlatos sem interferir na independência técnico-científica entre as classes, respeitando-se padrões éticos.

Alguns pontos polêmicos, sobre os quais se firmaram as diretrizes, estão relacionados ao patrocínio pela indústria de congressos médicos, realização de simpósios pelas indústrias dentro dos congressos, distribuição de brindes e presentes e visitação médica.Por este novo protocolo, médicos serão convidados para eventos realizados pelas indústrias farmacêuticas, através de critérios objetivos previamente estabelecidos, considerando-se inadequado o critério comercial. Fixaram-se patamares financeiros para brindes e/ou presentes a serem ofertados aos médicos, os quais deverão ter valor meramente simbólico. Pretendeu-se restringir patrocínios de viagens somente ao próprio profissional participante e não para acompanhante".


"Uma corrente entre os médicos deixa claro haver certo desconforto quanto a essa iniciativa do CFM. Isto porque o protocolo pode soar inócuo, até hipócrita, quando se considera, por exemplo, que um estudo clássico de 2000 no "Jama" (periódico da Associação Médica Americana) concluiu que a distribuição de brindes, amostras grátis e subvenções para viagens têm efeito sobre as atitudes dos médicos. Pagar uma viagem para um médico aumentaria entre 4,5 e 10 vezes a probabilidade de receitar as drogas da patrocinadora. Neste aspecto, não importariam as restrições delineadas no acordo.

Há evidências, por meio de pesquisas, de que o médico pode ser influenciado por outras formas, na prescrição de determinado medicamento, em detrimento da evidência científica, a qual deveria ser o fator mais importante na escolha do medicamento."



Uma farmacêutica coloca:
"Como farmacêutica sei que há controle de qualidade na producão de todos os medicamentos. Se há dúvida na qualidade dos genéricos por conta da corrupção, a mesma dúvida deve se estender aos medicamentos de referência. E digo mais, o laboratórios que fabricam mediamentos de referência são os mesmos que fabricam medicamentos genéricos (há exceções). Logo, opta-se em prescrever aquele que dá mais retorno, respeitando a ambiguidade do contexto."

Sim, é bem assim que acontece. E é esta ambiguidade de contexto que precisamos, minimamente, discutir.

O Código de Ética Médica, no artigo 69,veda ao médico: "obter vantagem pelo encaminhamento de procedimentos, pela comercialização de medicamentos, órteses, próteses ou implantes de qualquer natureza, cuja compra decorra de influência direta em virtude de sua atividade profissional".

A situação existe e, sinceramente, não percebo que seja uma minoria. Minoria são os éticos. Todos os casos que me chegam, as pesquisas feitas (inclusive a própria imagem que encabeça este artigo), as mobilizações internacionais, mostram o quanto vários e vários médicos de diferentes áreas se deixaram seduzir!

Quando, por exemplo, no caso do TDAH, a própria APA - Associação Americana de Psiquiatria - aceita o resultado da pesquisa do Dr. Andrew Adesman, provando que mais de 90% dos especialistas desconsideram as recomendações de encaminhar para terapia e só medicar quando necessário, estamos diante de um quadro extremamente preocupante!

Artigo 104 do Código de Ética: "É vedado ao médico deixar de manter independência profissional e científica em relação a financiadores de pesquisa médica, satisfazendo interesse comercial ou obtendo vantagens pessoais". Ou seja, normas e diretrizes existem, mas não são cumpridas. Essa indisciplina pode levar o médico a responder a um processo ético-disciplinar e ser punido. Todavia, parece que a outra parte, a indústria farmacêutica, não estava a observar tais preceitos éticos e, para esta, inexiste qualquer punição. (SINCOFARMA-GO)




 Marise Jalowitzki é educadora, escritora, blogueira e colunista. Palestrante Internacional, certificada pelo IFTDO - Institute of Federations of Training and Development, com sede na Virginia-USA. Especialista em Gestão de Recursos Humanos pela Fundação Getúlio Vargas. Criou e coordenou cursos de Formação de Facilitadores - níveis fundamental e master. Coordenou oficinas em congressos, eventos de desenvolvimento humano em instituições nacionais e internacionais, escolas, empresas, grupos de apoio, instituições hospitalares e religiosas por mais de duas décadas Autora de diversos livros, todos voltados ao desenvolvimento humano saudável. marisejalowitzki@gmail.com 

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