Relacionamento humano e a morte do indigenista Rieli
Marise Jalowitzki
Nestes últimos dias tenho me questionado sobre como a preparação para um convívio sem confrontos, preconceitos e barreiras de todo e qualquer jaez (espécie) são tratados entre as comunidades humanas.
Com louvor aplaudo os movimentos que visam instituir uma mentalidade (que já nos devia ser natural) de Aceitação e Respeitosa Solidariedade. Um VIVA! aos movimentos Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), às instituições que defendem os direitos LGBTI+. Aos refugiados. A todos os cidadãos que defendem um tratamento justo e digno para todos os humanos portadores de todas e quaisquer deficiências, ou de qualquer etnia. Contra a violência. Consideração e oportunidades para os desprovidos financeiramente. Não ao preconceito aos que vivem nas periferias. Cuidados e ouvidos aos indígenas, para respeitar sua forma de viver. Apoio e Apreço.
Como tudo é complicado entre as pessoas.
Focando no ocorrido: o assassinato do indigenista Rieli Franciscato pela flechada reconhecida como as usadas por uma tribo isolada.
Minha reflexão, à parte de tantos outros questionamentos, vai neste momento para a preparação das comunidades vizinhas às áreas reiteradamente reservadas e preservadas para tais tribos. E que estão continuamente sendo atacadas. invadidas e exploradas.
Há anos sabemos que estas terras demarcadas são invadidas por agricultores, pecuaristas, mineradores clandestinos, em todas as reservas (seja de tribos "socializadas" com a nossa cultura, ou não).
Isto existe há anos, intensificou-se sobremaneira após a devastadora construção da Usina de Belo Monte e, ano a ano, cada vez mais pela pouca vigilância governamental, pelo descaso e até impunidade quando da ocorrência do desmatamento, como amplamente noticiado, diariamente, por todos os grandes polos da mídia nacional e internacional.
Na minha primeira infância já se comentava sobre as incursões dos irmãos Villas Boas na Amazônia e suas descobertas. Eles (os irmãos e tantos outros, posterioremente), adentravam a floresta e tentavam estabelecer contato com as diferentes tribos, amigavelmente, repetindo o velho ritual de doar espelhinhos, quinquilharias para enfeite, alimento, algum animal diferente, passando seus conhecimentos; também suas doenças, fragilizando as comunidades, para preencher relatórios, demarcar territórios, introduzir costumes do "homem branco" (o que inclui as religiões), como se fosse algo necessário - e único método de viver. Era preciso 'desenvolvê-los', afirmavam e, muitos, ainda afirmam.
Então, seguindo este mesmíssimo ritual, me pergunto: COMO FORAM "catequisados" os "brancos" para tratar os eventuais indígenas que porventura se aproximassem das vilas formadas pelos "brancos"?
Caso fosse intenção de bom convívio, qual seria o tratamento mais adequado?
Este artigo poderia se estender para dezenas de outras nuances, pois é amplo e complexo. Este viés, porém, se deteve na postura do agricultor (ou pecuarista) que xingou os 5 índios quando os viram perto de sua casa.
Ora, se sabemos que tais povos estão premidos pelas queimadas, pela floresta que arde, sem dar trégua. Se já sabemos das invasões crescentes que sofrem continuamente. Se sabemos que tais povos devem estar já sem alimento, pois a sua fonte - que é a floresta - está sendo incendiada. Se já se soube de uma aproximação há poucos dias antes, à noite, onde foi roubada uma galinha e deixado no solo um pedaço de carne seca de animal silvestre no chão, não parece lógico pensar que eles querem uma aproximação? Que eles PRECISAM de socorro (como sempre precisaram, desde as invasões dos colonizadores)?
Partindo da premissa de que as coisas se passaram conforme foram contadas: Não estariam os indígenas tentando estabelecer contato amistoso, algum tipo de relacionamento, empurrados pelo medo (das invasões), pela fome (pela falta de folhas, frutos e animais, ceifados pelo desmatamento, pelo pavor frente às queimadas)?
E como são recebidos estes habitantes da floresta, quando tentam contato?
Quais as orientações que os habitantes 'civilizados' receberam da Funai, do Ministério da Agricultura, do Meio Ambiente, sobre como agir em situações assim limítrofes?
Quando a garota de 18 anos percebeu os 5 "homens mais claros, pelados" espiando em meio às folhas das árvores, gritou para o pai que saiu correndo, aos berros de "Sai daqui, sem vergonha!", claro que os indígenas "entenderam" que eram mal vindos!". Assisti ao video onde se ouvem os gritos do pai da moça.
Ela, em entrevista ao UOL, confirma que ambos (pai e filha) gritaram e xingaram, na "esperança de que fossem embora". E efetivamente eles foram.
Não seria o caso de ter deixado algum pão, algum outro alimento, no chão mesmo que fosse, e se fechado dentro de casa (o que é natural)? E, depois, buscar ajuda dos indigenistas que estão morando próximo?
Que orientação estes cidadãos receberam/recebem para lidar com estas situações? Nenhuma, pelo jeito. Aí, o medo apenas faz xingar, berrar, pra tentar se "proteger"... O que só é comustível para novos conflitos...
Gente!
E, depois, nesta história tão frágil em detalhes mais assertivos, COMO o indigenista adentra a floresta à procura de rastros, sem nenhuma proteção ou provimentos de troca? Só para investigar? Ele não estava ciente dos contatos já havidos anteriormente? Se sempre defendeu que as tribos só deveriam ser acessadas caso quisessem, neste caso, não estavam os indígenas procurando o contato? E, somente ele foi alvejado. E pelas costas.
Enfim, mais uma morte a lamentar. Mais incertezas sobre os próximos capítulos.
Lembrei agora da onça pintada morta a tiros quando adentrou a igreja em Manaus, em 2011.
Homem "civilizado" que somente sabe correr atrás da remediação... Governos que não conseguem assimilar o Princípio da Precaução (que prega se antepor aos fatos em ações devidamente planejadas e não, somente, remediar após o fato, triste e danoso, já haver acontecido...
A política de devastação, premeditada e cruel, continua em curso. Infelizmente.
Resta aos que pensam e sentem, querendo e ansiando e tentando fazer sempre o melhor, exercitar a Resiliência!
Que tempos estes que estamos vivenciando!
Fica o alerta já sabido: estes contatos serão cada vez mais frequentes. As tentativas de aproximação irão acontecer cada vez mais, pois são empurradas pelo Medo e pela Fome. Não é possível desconsiderar que estes dois fatores são fortes, ferozes, indomáveis. Há que haver uma conscientização de como agir assertivamente em situações assim. O mal já está feito, por toda ação humana. Reconduzir é fundamental!
Luz e Paz!
Um dos links lidos: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2020/09/20/o-que-a-morte-do-indigenista-rieli-franciscato-diz-sobre-os-misteriosos-povos-isolados-da-amazonia.htm
Link deste artigo, neste blog: http://compromissoconsciente.blogspot.com/2020/09/relacionamento-humano-e-morte-do.html
Publicado originalmente em meu outro blog: https://decrescimentofeliz.blogspot.com/2020/09/relacionamento-humano-e-morte-do.html
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