Por Marise Jalowitzki
02.abril.2019
Meninas e adolescentes em abrigos são alvos de um
contraceptivo não aprovado pelo SUS. Servem de “teste” de um dispositivo contraceptivo
da Bayer, medicamento este sem garantia de eficácia. As meninas de 15 a 19 anos
simplesmente recebem o contraceptivo, sem que os profissionais da Saúde
municipal recebam formação para acompanhamento e posterior retirada do
dispositivo.
O “dito ‘Acordo de Cooperação’ foi assinado em junho de 2018 "pelo Ministério Público, o
Município de Porto Alegre, o Hospital de Clínicas de Porto Alegre, o Hospital
Materno Infantil Presidente Vargas e a Bayer S/A. O Termo
de Cooperação teve
implementação imediata e ‘selecionou’ 100 inseridas em programa de acolhimento
institucional às políticas de saúde da mulher e de planejamento reprodutivo
introduzidas pela Lei 13.527/16."(Sul21)
Na prática, as 100 jovens selecionadas pelo Ministério Público, abrigadas em Porto Alegre-RS, com idade entre 15 e 19
anos, tem implantado no útero o SIU-LNG (Sistema Intra-Uterino) fornecido pela Bayer, sistema
intra-uterino que libera, de forma gradual, o hormônio levonorgestrel que
impede a gravidez e que pode permanecer no corpo por 2 a 5 (algumas publicações falam em até 07 anos).
A
assinatura ocorreu durante o seminário “Debatendo a Gravidez na Adolescência”,
realizado no MP.
Solenidade de assinatura do Acordo de Cooperação em junho de 2018 |
Um mês após a assinatura do dito “Acordo”, em julho.2018, portanto, membros do Conselho
Municipal da Saúde denunciaram a oferta do SIU. “Anos antes, ele foi reprovado
pelo conselho que avalia a entrada de medicamentos no Sistema Único de Saúde, a
Conitec - Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia
para o SUS.” Em
setembro.2018, a Defensoria Pública da União, a Defensoria Pública do Estado do
Rio Grande do Sul e a ONG Themis, protocolaram uma ação civil pública pedindo a
suspensão imediata do Termo de Cooperação.
Demorou 7 meses pra uma nova manifestação judicial: nesta semana, o juiz convocado Artur César de Souza, do TRF4 (Tribunal
Regional Federal da 4ª Região) julgou o processo e determinou, com urgência, que
o Termo fosse suspenso, declarando a
inconstitucionalidade e ilegalidade do Termo de Cooperação.
“(...) o Termo viola os direitos fundamentais
das mulheres e a necessidade de uma política pública integral de promoção da
saúde sexual; sendo reconhecido pelo juiz como uma forma de fazer com que a
meninas abrigadas sirvam “para testar o método, em prestígio dos interesses da
indústria farmacêutica”. Segundo a decisão, isso também acarreta discriminação
e preconceito de gênero social, uma vez que “com a justificativa de proteger as
adolescentes acolhidas da situação de gravidez precoce, as instituições que
firmaram o termo pretendem submetê-las ao procedimento de inserção do SIU,
desconsiderando não haver provas da superioridade desse método, como tampouco
de sua adequação para adolescentes”.
“Assim, o juiz encaminha sua
sentença afirmando que, para além dos motivos já apresentados, apesar de a
Bayer fornecer o dispositivo, todo o trabalho de inserção, acompanhamento e
retirada ficaria à cargo do Município. Além de custos financeiros, a empresa
farmacêutica não poderia ser responsabilizada por qualquer problema envolvendo
a colocação.
Com
urgência, a decisão liminar determinou que o Termo de Cooperação fosse
suspenso. Todas as partes do processo foram intimadas.“
MAS O MÉRITO DA DECISÃO AINDA DEVERÁ SER JULGADO PELA 6ª TURMA DO
TRF-4, AINDA SEM DATA DEFINIDA!!!
Projeto criticado
A iniciativa foi criticada por grupos
formados pelo Conselho Municipal de Saúde (CMS), pelo Conselho Regional de
Enfermagem (Coren-RS), pelo Conselho Estadual de Assistência Social (CEAS) e
por professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
No dia 18 de julho, eles lançaram um
abaixo-assinado pedindo a suspensão do Termo de Cooperação, argumentando
motivos “éticos, técnicos e econômicos”.
A alegação é de que
o método foi rejeitado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em 2016. O estudo da
Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia para o SUS (Conitec) decidiu
pela “não incorporação do sistema intrauterino liberador de levonorgestrel 52
mg para anticoncepção em mulheres de 15 a 19 anos de idade”.
O relatório considera que “as
evidências científicas apresentadas não foram suficientes para comprovar
superioridade da tecnologia proposta comparada às tecnologias disponibilizadas
no SUS”.
Segundo a médica e professora de
Saúde Coletiva da UFRGS Maria Gabriela Godoy, “não há garantia de onde vai ser
feita a retirada do implante quando as adolescentes deixarem os abrigos, já que
o período do SIU é de cinco a sete anos. Também é preciso dizer que não há
estudos que avaliem o impacto na saúde de meninas que usem implante de um
método hormonal de uso contínuo", diz.
De acordo com o Conselho Municipal de
Saúde, o termo não foi apreciado pelo CMS como previsto em lei. Para o
Coren-RS, a indicação das meninas pelo MP e não pelas equipes de atenção à
saúde contraria as orientações do Ministério da Saúde.
(...) O Ministério Público reconhece que não houve intermédio da
Secretaria de Saúde ou do SUS no contato inicial com a Bayer, mas que diversos
especialistas foram consultados e reconheceram a qualidade do contraceptivo SIU...
Então é assim: SUS não libera, a farmacêutica Bayer procura
algumas parcerias e, ao invés de intensos programas de conscientização e
alternativas contraceptivas, usa-se sem preparo um dispositivo “novo”. Como
assim? Se as garotas não tomam as pílulas com regularidade, que recebam mais e
ais orientações sobre o uso da camisinha (elas e-ou seus parceiros), pílula do
dia seguinte, diu de cobre, mas não um dispositivo sem aprovação, que vai
liberando hormônio gradativamente!
Quais as conseqüências disto??
"É importante frisar que o contraceptivo não pode ser reconhecido como um ‘presente’." |
Em agosto do ano passado a menor C.B.S., ora
com 15 anos de idade (em abrigos desde os 9 anos), recebendo tratamento
psiquiátrico após tentativa de suicídio dentro da Fundação de Acolhimento
Sócio-Educativa (FASE) teve, por decisão de sua psiquiatra, a hospitalização em
ala psiquiátrica e a prescrição para receber o dispositivo contraceptivo, em “caráter
de urgência”!! Por quê? Em que se baseia a “avaliação clínica” a que são
submetidas as garotas “selecionadas”? (Ver mais: item 9, pág 23, https://apublica.org/wp-content/uploads/2019/03/inicial-acp-termo-de-cooperacao-siu.pdf
)
Mais considerações:
O Acordo prevê a avaliação, a inserção do
dispositivo contraceptivo e uma reconsulta em 45 dias para ver se tudo ok.)
Quem acompanha depois? Quem está preparado para o acompanhamento anual
(recomendado na bula) e, depois do prazo de validade findo, a retirada do
dispositivo, levando-se em conta que o SUS não aprovou seu uso (e, portanto,
não tem pessoal especializado para tal) e as meninas já não estarão mais nos
abrigos?
O dispositivo, no mercado, está ao preço de R$ 764,10
a 1.128,00 !! Ou seja, fica evidente que é um “teste” em uma população
extremamente vulnerável!!
Saliente-se:
“O setor farmacêutico (Health Technology), segundo a Forbes, é o
mais lucrativo de todos, com 21,6% de margem média de lucro (à frente até das
empressas de tecnologia e de bancos, com 17,2% e 17,1%, respectivamente)
(pág.18 – https://apublica.org/wp-content/uploads/2019/03/inicial-acp-termo-de-cooperacao-siu.pdf
Ajudem a divulgar pra que haja pressão popular
e a 6ª Turma julgue logo esta ação!!
Como diz o Defensor Público Rodolfo Lorea
Malhão : “É importante frisar que o contraceptivo não pode ser reconhecido como um
‘presente’. São meninas pobres, em situação de vulnerabilidade sim. Mas não é
por falta de recursos que elas têm que se submeter a algo que não precisam. Não
é uma questão de dinheiro. É a objetificação da pobreza”, afirma.
Serviram
de fonte:
1)
Ação da Defensoria Pública contra o Ministério
Público pede suspensão do Acordo de Cooperação - https://apublica.org/wp-content/uploads/2019/03/inicial-acp-termo-de-cooperacao-siu.pdf
- protocolização
de uma ação civil pública
Manifestaram-se contrários: Conselho Estadual da
Criança e do Adolescente – CEDICA; Conselho Estadual de Assistência Social –
CEAS; Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre – CMS/POA; Sindicato dos
Farmacêuticos do Estado do Rio Grande do Sul – SINDIFARS; Sindicato dos
Municipários de Porto Alegre – SIMPA/RS; União Brasileira de Mulheres – UBM/RS;
Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil – CTB/RS; Coletivo OCUPASUS-RS;
Conselho Regional de Serviço Social – CRESS: Conselho Regional de Psicologia do
Rio Grande do Sul – CRP/RS; Conselho Regional de Enfermagem – COREN;
Professoras e Professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.
2)
Objetificação da Pobreza - https://www.sul21.com.br/ultimas-noticias/geral/2019/04/objetificacao-da-pobreza-liminar-supende-acordo-que-oferta-a-adolescentes-contraceptivo-da-bayer-rejeitado-pelo-sus/
3)
Assinatura do Termo de Cooperação - 26.07.2018 -
https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2018/07/26/iniciativa-do-mp-do-rs-para-implantar-contraceptivo-em-adolescentes-de-abrigos-e-alvo-de-criticas-em-porto-alegre.ghtml
Querendo, leia: Meninas da FASE - https://medium.com/@fernandalacruz/meninas-da-fase-as-oportunidades-e-a-ressocializa%C3%A7%C3%A3o-a-senten%C3%A7a-da-infra%C3%A7%C3%A3o-6af289d96f9b
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