Morre Mike do Mosqueiro
Por Marise Jalowitzki
29.março.2013
http://compromissoconsciente.blogspot.com.br/2013/03/morre-mike-do-mosqueiro.html
Gente, desculpem, mas eu não conhecia Mike do Mosqueiro. Agora, quando vi a notícia do atropelamento e morte do cantor, fui pesquisar, levada pela curiosidade do nome "Mosqueiro" e o rosto judiado do homem. Fui assistir os videos do youtube. Mosqueiro é o nome de uma ilha - distrito de Belém, no Pará. Difícil! O cara tinha problemas com álcool, não era casado (e sem nenhum outro vínculo), vida pobre e difícil, cresceu nas ruas, pais desconhecidos, recebeu queimaduras, era o escracho de muitos. "Um bêbado cantor" do Pará, desses que fazem as pessoas sem piedade parar nas calçadas e apreciar, enquanto dão boas risadas. Alguns conhecidos da ilha, apreciavam suas canções. "Eles me chamam aqui pra cantar frente a loja deles. E eu canto!" Para muitos, entretanto, os desgraçados que tentam sair do buraco são alvo de escárnio, dolorosa forma de receber atenção. Muitos videos estão postados com pessoas que davam garrafa cheia para ele beber e depois cantar, para potencializar a chacota desses que queriam "acessos no youtube" expondo um cidadão pobre, dependente químico, boa praça, que necessitava de uma intervenção efetiva.
Ele nunca havia sequer entrado em um carro.
De nome suposto (por não ter documentos), foi por intervenção de uma promotora pública que recebeu o nome de Maike Pereira da Silva. "Foi em uma das queimaduras que me fizeram, era pra eu ter ficado cego; não queriam me internar por eu não ter documentos. Foi a promotora que me salvou. Devo isso a ela."
De idade suposta (41 anos), o homem fazia biscates e cantava e tocava seu violão, o que aprendeu de forma autodidata! "Aprendi olhando."
Quando um turista colocou um primeiro video no youtube, logo virou hit e hoje, conta com mais de treze milhões de acessos. Também há uma página no youtube com o nome dele e 13 videos seus, músicas com letras carregadas de apelos, falando de solidão. Até que veio o "Nã,nã,nã", uma versão de uma cantora (Viviane Batidão). Em 2010, acabou sendo convidado para o domingão do Faustão, Datena, Eliana, Ratinho. Viajou de avião. Mais ajeitado, embora ainda sem dentes, chegou no auditório do faustão e passou seu recado. A mudança era visível quando lá compareceu. Mostrou sua música e também seu desespero em querer ser valorizado.
"Eu quero que as pessoas sejam alegres." - disse ele.
Como tudo é passageiro, fugaz, temporário nesse nosso mundo, logo ele deixou de ser hit para voltar a ser anônimo, fazer pequenos serviços, cortar grama, jardinagem. Os 25 mil que recebeu da Globo logo se acabaram (alguns dizem que, de todos os programas em que participou, recebeu, tudo junto, quase 50 mil); restaram os dentes novos e a "repaginada" que recebeu da produção do Ratinho, o violão novo e algumas roupas. TODOS sabem que um morador de rua, que sequer viu um centésimo de dinheiro como esse, não saberia administrar. Não faltou quem o roubasse flagrantemente, aproveitando-se da situação, oferecendo drogas e usufruindo. Sempre sozinho, com o final do dinheiro (óbvio!) também sumiram os "amigos", a solidão voltou com tudo e, com ela, as ruas e o álcool. Poucos meses depois, já estava faminto, doente, dormindo pelas calçadas de Belém. Duas vezes foi preso por tentar se matar e ameaçar os que se aproximavam com uma peixeira. Mais de uma vez foi manchete de jornal, sempre chorando convulsivamente, quando preso. O desespero era evidente. Agora, foi atropelado e morto (29) por uma kombi. Ao invés do violão, Mike carregava um martelo, seu instrumento de trabalho em uma pequena obra em uma casa, serviço que prestava em troca de alguns trocados.
NÃO ENTENDO como nenhuma emissora contratou este cara! MUITO DIFÍCIL, para um ex-morador de rua, sem pais conhecidos, sem família, conhecer a fama e depois voltar à vidinha de "sempre"! Sociedade insana!
Sem parentes conhecidos, Mike ía ser enterrado como indigente! Alguns amigos da beira da praia da Ilha do Mosqueiro se mobilizaram para comprar o caixão e, após, a Agência Distrital de Mosqueiro se responsabilizou pelo velório e enterro dele. "Vamos sentir muito a falta dele."
Juro que fico, mais uma vez, com vontade de saber: Será que aqueles que tiram pessoas do submundo em que estão, se dão conta do que estão fazendo? De que, junto com a "oportunidade", também deveria vir a responsabilidade com este ser humano? Quais as providências para "garantir" que continuasse em sua ocupação artística e não, após ter conhecido o palco do Faustão, auditórios famosos, bonitos, orquestras, aplausos, promessas (Concurso: Quem quer namorar o Mike - do Ratinho), ter de voltar ao "nada" de antes? Qual a estrutura emocional de um ser desses para enfrentar a "descida do podium" sabendo que não iria voltar? Quem o acompanhou? Para os "heróis" do bigbrother há a recomendação de um apoio psicológico após a queda meteórica da transitória fama. E para uma pessoa simples como era esse senhor? E alcoolista?
Mike no Faustão |
E o poder público? Quais as tentativas efetivas para interná-lo para tratamento de desintoxicação e acompanhamento? Sim, pois apenas desintoxicação (como dizem que fez) não resolve. A dor maior, em todos os casos conhecidos, é a sensação cruel de abandono e solidão. Não é só internar e desintoxicar, não. É viabilizar uma atividade, além da participação em um grupo, com acompanhamento e monitoramento. è providenciar o sustento, enquanto ele se desenvolve.
Difícil, também, entender a ânsia do povo em apenas se divertir com algo "inusitado", geralmente promovendo o escracho, a gozação, o chiste ("kkkkkkk" foi o teor mais forte de todos os comentários que recebeu nos cliques aos videos). Humildemente, ele declarava: "Sim, eu canto em inglês, mas nem sei o que digo.".
E quanto ao atropelamento: O motorista, após o atropelamento, fugiu logo a seguir, sem prestar socorro, mas procurou a polícia e se entregou. "Fiquei com medo de ser linchado", disse ele. A kombi, dizem, estava em alta velocidade, com documentação e atividade irregular. Dizem os jornais locais: "Nessa noite ele estava atravessando a pista na frente dos carros, se jogando na frente dos veículos. Segundo testemunhas, ele teria se jogado na frente da Kombi. O impacto foi forte. O corpo dele foi arremessado por uns vinte metros e ele morreu na hora... outros dizem que ele estava cambaleando e não viu a kombi se aproximar em alta velocidade... bem, "afinal, era apenas um bêbado" não é mesmo? Não é assim que costumam simplificar tudo?
"Alguns dos moradores e curiosos cantarolaram o refrão que levou “Mike do Mosqueiro” para o sucesso em todo o país. “Ele vai deixar saudades. Mesmo estando alcoolizado algumas vezes ou sob efeito de drogas, ele animava as pessoas com aquele jeito engraçado. Ele também levou o nome da ilha para o país inteiro”, disse Guilherme dos Santos, morador do local." (Diário do Pará)
Que descanse em paz e que Deus o acolha. Quem sabe se, em outra vida, nascer em um lar rico, com família estruturada, com condições, possa se tornar um cantor respeitado!!! Eita, mundo!
Eu sou a favor da criação de uma lei em que seja incluída a proibição de bullying aos moradores de rua e aos alcoolistas.
Escolho para homenagem ao cantor Mike do Mosqueiro e a todos que já se foram por drogas, alcoolismo e solidão, a canção Love Hurts (Nazareth), que Mike cantava em "seu inglês", declarando não entender nada, mas que achava bonita. Tudo a ver. Para Mike, um cidadão anônimo, de pais incógnitos.
Mike - http://www.youtube.com/watch?v=_2opdrA6bj0
Nazareth - http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=soDZBW-1P04
Mais recente: https://www.facebook.com/video.php?v=401995183326441&pnref=story
Love Hurts
O Amor Machuca
(Atualizei os dados em 09.09.2015 - incluindo novo link de interpretação p Nazareth
Para quem quiser, este video com a interpretação de Mike de "Pelados em Santos" - Mamonas Assassinas, também é muito bom! - https://www.youtube.com/watch?v=46te9KFWea8 )
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