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Conheça a íntegra do artigo publicado pelo INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS |
16.fevereiro.2016
http://compromissoconsciente.blogspot.com.br/2016/02/larvicida-e-microcefalia-governo-do-rs.html
Médicos brasileiros e argentinos suspeitam que inseticida de mosquito seja a causa da microcefalia este foi o título da matéria que é transcrita logo a seguir.
Logo após a divulgação desta notícia, amplamente divulgada, o governo do RS decidiu proibir o uso nas caixas d'água do RS. O larvicida é liberado pelo governo federal. Nenhum outro larvicida será misturado à água, até nova decisão.
Logo a seguir, veio a negativa da informação, dando conta que "blogs em inglês, de ambientalistas" teriam divulgado a notícia. Não foram apenas "blogs em inglês, de ambientalistas" que divulgaram a notícia.
A revista Època (veja artigo transcrito ao final) foi pródiga em negar a vinculação do vírus Zika e a microcefalia com o larvicida.
"
A ideia de que o uso de um larvicida na água para o combate ao Aedes aegypti estaria por trás da epidemia de microcefalia no país ganhou as redes sociais nos últimos dias. Mas teve origem em um mal-entendido, segundo a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)."
No artigo é a própria ABRASCO QUEM DECLARA ao final:
"É sabido que um cenário de incerteza como este provoca insegurança na população e é terreno fértil para a disseminação de inverdades e de conteúdos sem qualquer (ou suficiente) embasamento científico. A Abrasco repudia tal comportamento, que desrespeita a angústia e o sofrimento das pessoas em situação mais vulnerável, e solicita prudência aos pesquisadores e à imprensa neste grave momento, pois todas as hipóteses devem ser investigadas antes de negá-las ou de confirmá-las", afirma o comunicado."
ENTÃO, que comecem pelo próprio governo e Ministerio da Saúde, que não possui ainda nenhuma comprovação, como todos, mas dissemina propaganda e campanhas afirmando, sem reservas, que o mosquito causa microcefalia!! Coerência!! Já não dá para viver em meio a tanta informação divergente!
Eis o importante artigo publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos.
INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS (Universidade do Vale do Rio dos Sinos - São Leopoldo - área metroolitana de Porto Alegre - RS - Brasil) é muito bem conceituado e há muitos anos denuncia os efeitos nefastos dos agrotóxicos na saúde e formação humana.
Domingo, 14 de fevereiro de 2016
Médicos brasileiros e argentinos suspeitam que inseticida de mosquito seja a causa da microcefalia
Com a relação proposta entre o vírus da zika e o surto de microcefalia no Brasil em recém-nascidos parecendo cada vez mais tênue, médicos latino-americanos estão propondo uma outra causa possível: o piriproxifeno, pesticida usado no Brasil desde 2014 para deter o desenvolvimento da larva do mosquito em tanques de água potável. Poderá a “cura” ser, na realidade, o veneno?
A reportagem é de Claire Robinson, publicada por GMWatch - The Ecologist, 10-02-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
As más-formações detectadas em milhares de crianças em mulheres grávidas que vivem em regiões onde o Estado brasileiro adicionou o
piriproxifeno à água potável não são coincidências, muito embora o Ministério da Saúde ponha a culpa diretamente no vírus da
zika.
A opinião da Organização Mundial da Saúde de que o surto de
microcefalia na região Nordeste do país é causado pelos vírus da
zika foi, até o momento, pouco questionada.
O ministro da Saúde brasileiro, Marcelo Castro, chegou a dizer que tem “100% de certeza” de que há uma ligação entre zika e microcefalia, um defeito de nascimento em que os bebês nascem com cabeças pequenas. (o grifo é meu)
Essa visão é amplamente apoiada pela comunidade médica internacional, incluindo o influente Center for Disease Control, dos EUA. Mas não há fortes evidências desta relação. Em vez disso, existe uma mistura de indícios e provas circunstanciais.
Um dos estudos científicos centrais, feito por A. S. Oliveira Melo et al. e publicado na revista Ultrasound in Obstetrics & Gynecology, encontrou o vírus da zika nos fluídos amnióticos que afetaram bebês e suas mães. Mas somente duas mulheres foram examinadas, um número demasiado pequeno para estabelecer uma ligação estatisticamente significativa. (o grifo é meu)
O jornal The New York Times também informou, em 3 de fevereiro, o resultado das análises feito pelo Ministério da Saúde do Brasil: “Dos casos examinados até agora, 404 foram confirmados como tendo microcefalia. Somente 17 deles testaram positivo para o vírus da zika. Mas o governo e muitos pesquisadores dizem que o número pode ser amplamente irrelevante, porque os testes feitos encontrariam a presença do vírus em somente uma minúscula porcentagem de casos”. (o grifo é meu)
E, no último fim de semana, o indicador mais poderoso de que a microcefalia pode ter uma outra causa foi anunciada pelo presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, segundo reportagem do Washington Post. Autoridades colombianas de saúde pública até agora diagnosticaram, segundo Santos, 3.177 mulheres grávidas com o vírus da zika, mas em nenhum caso se observou microcefalia no feto.(o grifo é meu)
Médicos argentinos: é o inseticida
Agora, um novo relatório foi publicado pela organização médica argentina Physicians in the Crop-Sprayed Towns –PCST (na sigla em inglês), que não apenas desafia a teoria de que a epidemia do vírus da zika no Brasil seja a causa do aumento de microcefalia em recém-nascidos, mas propõe uma explicação alternativa.
Segundo a PCST, o Ministério não conseguiu reconhecer que, na região onde vivem mais pessoas doentes, um larvicida químico que produz más-formações em mosquitos foi adicionado no fornecimento de água potável em 2014.
Este pesticida, o
piriproxifeno, é fabricado pela
Sumitomo Chemical, um “parceiro estratégico” japonês da
Monsanto– empresa que estes médicos aprenderam a desconfiar devido ao grande volume de pesticidas dela pulverizados em terras agrícolas na Argentina.
O piriproxifeno é um inibidor de crescimento da larva do mosquito, que altera o processo de desenvolvimento desde a larva, passando pelo estágio da pupa até a fase adulta, assim gerando más-formações em mosquitos em desenvolvimento e matando ou incapacitando-os. O produto age como um hormônio juvenil de inseto, ou juvenoide, e tem o efeito de inibir o desenvolvimento das características do inseto adulto (por exemplo, asas e genitália externa madura) e o desenvolvimento reprodutivo.
O produto químico tem índices de risco relativamente baixos, possuindo uma baixa toxidade aguda. Testes feitos pelaSumitomo realizados em uma variedade de animais descobriu que ele não era um teratógeno (não causava defeitos de nascimento) nos mamíferos testados. No entanto, não se pode tomar essa conclusão como um indicador confiável dos seus efeitos nos seres humanos – especialmente diante das evidências em contrário.
A PCST comentou: “As más-formações detectadas em milhares de crianças de mães grávidas que vivem em regiões onde o Estado brasileiro adicionou o piriproxifeno à água potável não são coincidências, muito embora o Ministério da Saúde coloque a culpa por este dano diretamente no vírus da zika”.
Eles também notaram que o zika tem sido tradicionalmente tomado como uma doença benigna que nunca antes esteve associada com defeitos de nascimento, mesmo em áreas onde ele infecta 75% da população.
Médicos brasileiros também suspeitam do piriproxifeno
O piriproxifeno é uma introdução relativamente nova ao meio ambiente brasileiro; o aumento da microcefalia é um fenômeno relativamente novo. O larvicida parece, portanto, um fator causativo plausível na microcefalia – muito mais do que mosquitos geneticamente modificados, os quais alguns têm culpado pela epidemia do zika e, consequentemente, pelos defeitos de nascimento.
O relatório do
PCST, que também aborda a epidemia da febre da dengue no Brasil, concorda com os achados de um outro relatório sobre o surto do
zika, este produzido por médicos brasileiros e pela organização de pesquisadores em saúde,
Abrasco.
A Abrasco igualmente identifica o piriproxifeno como uma causa possível da microcefalia. Ela condena a estratégia do controle químico dos mosquitos portadores do zika, o que, dizem, está contaminando o meio ambiente bem como as pessoas e não está diminuindo o número de mosquitos.
Em vez disso, a Abrasco sugere que essa estratégia está, na realidade, orientada por interesses comerciais da indústria química, que, dizem, encontra-se profundamente inserida nos ministérios de Saúde latino-americanos, bem como na Organização Mundial da Saúde e na Organização Pan-Americana de Saúde.
A Abrasco identifica a empresa inglesa de insetos geneticamente modificados Oxitec como parte de um lobby corporativo que tem distorcido os fatos sobre o vírus da zika a fim de atender os seus próprios interesses. A Oxitec vende mosquitos geneticamente modificados para a esterilidade e os coloca no mercado como um produto de combate à doença – estratégia condenada pelos médicos argentinos como um “fracasso total, exceto para a empresa que fornece os mosquitos”.(o grifo é meu)
Tanto os médicos brasileiros e argentinos quanto as associações de pesquisadores concordam que a pobreza é um fator-chave que está sendo negligenciado na epidemia em curso. A Abrasco condenou o governo brasileiro por sua “ocultação deliberada” das causas econômicas e sociais: “Na Argentina e em todo o continente, as populações mais pobres com menos acesso ao saneamento e à água potável sofrem mais com este surto epidêmico”. A PCST concorda, afirmando: “A base do progresso da doença encontra-se na desigualdade e na pobreza”.
A Abrasco acrescenta que a doença está estreitamente ligada à degradação ambiental: inundações causadas pelodesmatamento e o uso massivo de herbicidas em plantações de soja (geneticamente modificadas) tolerantes a herbicida. Em suma, “os impactos de indústrias extrativas”.
A noção de que a degradação ambiental pode ser um fator na difusão do zika encontra sustentação na visão de Dino Martins, Ph.D. Martins, que é entomologista queniano, diz que “a explosão dos mosquitos em áreas urbanas, que está levando adiante a crise do vírus da zika” é causada por uma “falta de diversidade natural que, do contrário, manteria as populações de mosquito sob controle e também pela proliferação de resíduos e a falta de locais para o despejo em algumas áreas que fornecem um habitat artificial para os mosquitos se reproduzirem”.
Ações de base comunitária
Os médicos argentinos acreditam que a melhor defesa contra o zika são “ações de base comunitária”. Um exemplo de tais ações acontece em El Salvador.
Um dos locais favoritos para a reprodução dos mosquitos portadores da doença são contêineres de armazenamento de água parada, ou caixas d’água. Os salvadorenhos começaram a manter peixes nesses ambientes; os
peixes comem a larva do mosquito. Assim, a dengue se foi juntamente com o mosquito que transmite a doença. Até agora, não há nenhum caso de infecção do vírus da
zika.
Programas simples porém eficazes como esse correm o perigo de serem negligenciados no Brasil em favor de programas de pulverização de pesticidas e da soltura de mosquitos geneticamente modificados, iniciativas apoiadas por empresas. A prática de pulverização ainda não foi comprovada, e os mosquitos geneticamente modificados podem estar causando prejuízos muito mais graves do que os mosquitos que estão sendo visados.
A entidade a que a reportagem se refere é a ABRASCO.
Entidade diz ter sido mal interpretada e nega ligação entre microcefalia e larvicida
Camilla Costa - @_camillacostaDa BBC Brasil em São Paulo
E este é o pronunciamento do Ministério da Saúde
Larvicida sob suspeita passou por aprovação na OMS, diz ministério
Pronunciamento é uma reação a artigo em que médicos argentinos relacionam evidências de que pesticida usado contra mosquito poderia estar associado à microcefalia
Em nota divulgada neste sábado, o Ministério da Saúde afirmou que o larvicida Pyriproxyfen passou por uma minuciosa avaliação de organismos internacionais antes de ser utilizado no país no combate ao
Aedes aegypti. O pronunciamento é uma reação à divulgação de artigo de médicos argentinos relacionando evidências de que
o pesticida poderia estar associado a microcefalia. Para o governo federal, a relação entre o produto e a má-formação em recém-nascidos carece de "embasamento científico".
"O Ministério da Saúde somente utiliza larvicidas recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Os produtos passam por um rigoroso processo de avaliação da World Health Organization Pesticed Evaluation Scheme (WHOPES). O Pyriproxifen está entre os produtos aprovados por esse comitê e também possui certificação pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que avalia a segurança do larvicida no Brasil", afirma o texto, que ressalta ainda o registro de casos de microcefalia em regiões onde não houve o uso do pesticida.
Diante da dúvida, o secretário estadual da Saúde, João Gabbardo, determinou nesta manhã a suspensão temporária do uso do produto em reservatórios de água potável no Rio Grande do Sul.
– Até que provem ao contrário e que se tenha uma manifestação de que é seguro, não vamos mais usar – afirmou o secretário nesta manhã.
O Ministério da Saúde não contestou a decisão gaúcha. De acordo com a nota, o Estado tem autonomia para utilizar o produto distribuído pelo governo federal ou adotar estratégias alternativas. O órgão reforçou que o Pyriproxyfen só é utilizado em situações especiais, "onde há a necessidade de armazenamento de água e os depósitos não podem ser protegidos fisicamente".
Em relatório divulgado nesta semana, a organização argentina Physicians in the Crop-Sprayed Towns afirma as má-formações detectadas em bebês de grávidas que vivem em áreas onde passou a ser utilizado o Pyriproxyfen na água potável "não são uma coincidência". A crítica vai além: "O Ministério da Saúde (do Brasil) coloca a culpa diretamente sobre o vírus zika, ignora sua responsabilidade e descarta a hipótese de danos químicos cumulativos no sistema endócrino e imunológico causados à população afetada".
A seguir, leia a nota do Ministério da Saúde na íntegra:
Não existe nenhum estudo epidemiológico que comprove a associação do uso de pyriproxifen e a microcefalia. O Ministério da Saúde somente utiliza larvicidas recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Os produtos passam por um rigoroso processo de avaliação da World Health Organization Pesticed Evaluation Scheme (WHOPES). O pyriproxifen está entre os produtos aprovados por esse comitê e também possui certificação pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que avalia a segurança do larvicida no Brasil.
Ao contrário da relação entre o vírus Zika e a microcefalia, que já teve sua confirmação atestada em exames que apontaram a presença do vírus em amostras de sangue, tecidos e no líquido amniótico, a associação entre o uso de pyriproxifen e a microcefalia não possui nenhum embasamento científico.
É importante destacar que algumas localidades que não utilizam o pyriproxifen também tiveram casos de microcefalia notificados. A Secretaria de Estado da Saúde do Rio Grande do Sul (SES/RS), como autoridade de saúde local, tem autonomia para utilizar o produto adquirido e distribuído pelo Ministério da Saúde ou desenvolver estratégias alternativas. Cabe ressaltar que o Ministério da Saúde somente recomenda a utilização de larvicidas em situações especiais, onde há necessidade de armazenamento de água e os depósitos não podem ser protegidos fisicamente.
É importante lembrar que para erradicar o Aedes aegypti e todos os seus possíveis criadouros, é necessária a adoção de uma rotina com medidas simples para eliminar recipientes que possam acumular água parada. Quinze minutos de vistoria são o suficiente para manter o ambiente limpo. Pratinhos com vasos de planta, lixeiras, baldes, ralos, calhas, garrafas, pneus e até brinquedos podem ser os vilões e servir de criadouros para as larvas do mosquito. Outras iniciativas de proteção individual também podem complementar a prevenção das doenças, como o uso de repelentes e inseticidas para o ambiente.
Ninguém ainda tem certeza-comprovação. Há que lembrar situação de longa data, especialmente no interior de Pernambuco, já denunciada até em livro, sobre as anomalias provocadas pela nutrição pobre entre os desprovidos.
Isto também se torna um possibilidade importante para explicar porque em outro países, incluindo países da América Latina, mesmo existindo o mosquito e o vírus Zika, os bebês não nascem com microcefalia.
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Zika - Garoto de 10 anos segura no colo irmão de dois meses que nasceu com microcefalia em Pernambuco Foto AP Photo-Felipe Dana, File |
O que diz a Revista Época
O que o boato sobre o larvicida que "causa" microcefalia diz sobre nosso medo de epidemias
Boatos acompanham a história das grandes epidemias. Para a pesquisadora Dilene do Nascimento, da Fiocruz, na falta de conhecimento científico sólido sobre as doenças, a população cria suas próprias explicações
RAFAEL CISCATI
16/02/2016 - 13h01 - Atualizado 16/02/2016 14h55
O Rio Grande do Sul proibiu, no último sábado (13),
o uso do larvicida pyriproxyfen na água potável para consumo humano. O
pyriproxyfen era usado em reservatórios de água para evitar que eles se transformassem em criadouros do mosquito
Aedes aegypti. A substância é dotada de um hormônio que prejudica o desenvolvimento do mosquito – impede que a larva se transforme em um adulto saudável, capaz de transmitir doenças sérias, como
dengue, zika e chikungunya. Por causa disso, o larvicida foi apontado como vilão em potencial – de acordo com uma ONG de médicos argentinos, ele seria o responsável pelo aumento dos casos de microcefalia no Brasil.
>>Governo do RS suspende larvicida Pyriproxyfen depois de relatório que associa produto à microcefalia
As conclusões da ONG não têm base científica.
O relatório que culpa o larvicida foi publicado pelo Physicians in the Crop-Sprayed Towns (PCST), um grupo de médicos que se opõem ao uso de agrotóxicos e pesticidas por temer as consequências para a saúde humana e para o meio ambiente. O grande problema é que, no caso do pyriproxyfen, não há estudos que sustentem essa suspeita. Ela foi levantada com base em uma
associação perigosa: para os argentinos, se o veneno causa problemas no desenvolvimento do mosquito, deve causar também problemas no desenvolvimento humano. Os estudos sérios feitos a respeito, até hoje, dizem o contrário. Segundo eles, o larvicida é uma substância segura, de capacidades tóxicas baixas, que não fornece riscos à saúde humana. A substância é recomendada pela Organização Mundial da Saúde. No relatório, o PCST cita a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Segundo os argentinos, os médicos brasileiros também apontavam a relação entre o larvicida e a microcefalia. Na segunda-feira (16), a Abrasco divulgou uma nota dizendo que fora mal interpretada pelos argentinos, e que não encontrava relação entre o veneno e a deficiência.
>>Não acredite nos boatos que ligam mosquitos transgênicos à microcefalia
As inconsistências no discurso da ONG não impediram que o boato do larvicida se espalhasse – e fosse capaz de influenciar ações do poder público. Ele é o mais recente de uma série de suspeitas sem fundamento que surgiram desde que foi levantada a associação entre zika e microcefalia. No final de 2015, circulou o boato de que os casos de microcefalia
eram causados por vacinas contra a rubéola vencidas. A história não fazia sentido – mulheres grávidas não são vacinadas contra essa doença. Mesmo assim, muita gente acreditou. Na mesma época, outra história atribuiu a culpa da epidemia de zika a mosquitos geneticamente modificados.
Os animais existem, mas foram criados para combater a dengue.
>>4 motivos para não acreditar no boato que liga vacinas vencidas ao zika vírus
Para
Dilene do Nascimento, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz e especialista na história das epidemias, esses boatos surgem porque, na falta de uma explicação definitiva, a população busca
alternativas fora da ciência: “Até que se construa conhecimento científico sólido, o conhecimento leigo preenche a lacuna”, diz Dilene. E o método científico, por sua natureza, lida com incertezas e avanços lentos: “A ciência não pode fazer afirmações peremptórias se não tiver comprovação”, afirma a pesquisadora. No caso das ocorrências de microcefalia no Brasil, a associação entre o problema e o vírus zika é a mais provável. Mas a ciência admite que há dúvidas.
>>Por que estamos perdendo a guerra contra o Aedes aegypti
Boatos como os do larvicida são perigosos. Eles podem confundir a população, levando as pessoas a desrespeitar recomendações básicas, como usar repelente para se proteger do mosquito. São comuns ao longo da história – boatos acompanharam a eclosão de epidemias de gripe espanhola, aids, poliomielite e outras tantas no decorrer do último século. Nesta entrevista, Dilene tenta explicar por que esse fenômeno ocorre.
ÉPOCA - É comum que surjam boatos quando ocorrem epidemias e outras emergências médicas?
Dilene do Nascimento - É muito comum. Até que se esclareça a causa da doença – quando se trata de uma epidemia nova – as pessoas apelam para qualquer explicação. Se elas não têm uma explicação concreta vinda de um cientista, outras hipóteses que pareçam plausíveis para a população acabam sendo acatadas. E isso aconteceu em outras situações ao longo da história.
ÉPOCA - As pessoas não confiam nos cientistas?
Dilene - Há momentos em que a ciência é parcialmente desacreditada. Foi o que aconteceu na época da aids. Naquele momento, na década de 1980, a biomedicina perdeu prestígio. Até ali, achava-se que estava tudo sob controle, tudo resolvido. Quando a aids surgiu, a gente percebeu que não. Que a biomedicina não dava conta de tudo. Ela perdeu crédito, e as explicações saíram do campo da ciência. Passaram a ser fornecidas pela comunidade leiga. Até que se construa conhecimento científico sólido sobre a doença, o conhecimento leigo preenche a lacuna. A população quer explicação. Por que está acontecendo isso? Qual a ligação entre zika e microcefalia? E começa a desconfiar do discurso das autoridades. Vem a notícia de que na Colômbia há zika, mas não há microcefalia. Esses médicos argentinos aparecem dizendo que o responsável pela microcefalia é um larvicida. Com tudo isso, a população passa a achar que as explicações fornecidas não são plausíveis, e vai atrás de outras. E esse processo ocorreu em todos os momentos de epidemias importantes no país.
ÉPOCA - Quais são os casos de boatos mais marcantes na história das epidemias no Brasil?
Dilene - Há o caso da gripe espanhola, de 1908. O problema não foi saber qual a causa da doença, mas como se proteger dela e como tratá-la. Dizia-se que a gripe era transmitida de pessoa a pessoa, mas não ficava evidente, para a população, como acontecia essa transmissão. Para se proteger, quem estava saudável isolava e discriminava quem estava doente. O impacto disso é grande para uma comunidade, para a sociedade. O mesmo aconteceu com a poliomielite, já na segunda metade do século XX. Até ali, a pólio era uma doença um tanto obscura. Até que se entendesse melhor seu processo fisiopatológico, várias explicações foram dadas. Falou-se que o problema era causado por uma mosca ou por outros artrópodes. Houve coisa semelhante durante a epidemia de aids em 1980. A doença foi considerada um problema dos homossexuais masculinos. O efeito foi devastador. Quem não era homossexual e não era homem, se sentia imune à doença. Logo, a incidência da aids aumentou muito entre as mulheres. Inclusive entre as mulheres casadas. Uma mostra de que, muitas vezes, a informação enviesada pode ser pior que a falta de informação.
ÉPOCA - Esses boatos são perigosos? Podem atrapalhar a ação dos governos e médicos?
Dilene - Em parte,sim. O governo diz: “as gestantes devem usar repelentes e vestir manga comprida, para se proteger”. Nesse calor de verão do Rio de Janeiro, essa recomendação exige muito esforço para ser seguida. Se alguém diz que a microcefalia não é causada pelo zika e, sim, por vacinas vencidas ou por um larvicida, as pessoas se sentem livres para desrespeitar essas recomendações.
ÉPOCA - No caso do zika e da microcefalia, o governo tenta dar explicações, mas admite certo grau de incerteza. Por que é mais fácil acreditar em um texto publicado em um veículo obscuro do que naquilo que o ministro da Saúde fala?
Dilene - A explicação está no campo político. O governo não consegue ter a última palavra quando sofre com índices de aprovação baixos e quando é criticado, por razões diversas, a torto e a direito. Além disso, o governo não pode, nesse caso, apresentar certezas. Todos os cientistas estão pesquisando aceleradamente, tentando encontrar explicações e soluções. A gente sabe que o vírus é neurotrópico. Por isso, em teoria, pode ser o responsável pelos problemas de desenvolvimento dessas crianças. Mas isso ainda é uma possibilidade. É a mais provável, mas a ciência não pode fazer afirmações peremptórias se não tiver comprovação.
Sim, há que ter muita, muita precaução antes de promulgar informações sem comprovação. Isto serve para todas as camadas, de todos os setores.